domingo, 5 de junho de 2011

O dia da eternidade

Era pra ser uma rodada qualquer. Somente a 3ª do Brasileirão.

Ainda no início, e com várias equipes desfalcadas, seja pelas competições paralelas em disputa, seja pela seleção brasileira, mais uma demonstração do quanto nosso calendário ainda padece de inteligência.

Mas no Rio de Janeiro, havia um componente todo especial.

Um cara, que há meses treinava em separado, e não pisava em campo desde então. Relegado a segundo plano diante da péssima temporada passada, onde ficou evidente o peso da idade.

Aos 38 anos, o sérvio Dejan Petkovic deixa os gramados.

Ao entrar no Engenhão, lembrei como se fosse ontem daquele gol que eu não vi.

À época, morava em Santos, bem longe do Maracanã. Eram 27 de maio de 2001. Estava no hospital, passando a tarde com meu avô - o seu Pepe - que encontrava-se internado na Santa Casa de Misericórdia.

Por conta do estado, ouvia no radinho o insosso empate em 0 a 0 entre Corinthians e Botafogo-RP, pela final do Paulista, mas de olho (ou ouvido, que seja) na final do Carioca, entre Flamengo e Vasco.

No Maraca, o jogo estava 2 a 1 para o Flamengo, resultado que dava o título ao Vasco. O Flamengo precisava de mais um gol. Neste momento, meu avô poderia estar parindo que eu não desgrudava o ouvido do rádio.

Como o Corinthians havia feito 3 a 0 no jogo de ida, em Ribeirão Preto, ninguém tava nem aí com a paçoca. Ficava imaginando os mais de 80 mil corinthianos bocejando, encostando a cabeça no colega ao lado, tamanha a chatice do jogo.

Eis que o árbitro da final paulista atende minhas súplicas, e encerra aquela coisa horrenda. Tudo bem, legal, o Corinthians era campeão. Mas isso já tinha uma semana! Podia ter dispensado o jogo do Morumbi.

Assim que a emissora de rádio (não me peçam para lembrar qual, é irrelevante) passou para o jogo do Maracanã, o juiz apita uma falta para o Flamengo.

Eu, nervoso feito uma capivara, já não sabia nem se meu avô estava vivo.

O rádio é maravilhoso! Pra joguinho!

Tudo fica emocionante. Aquela bola que vai cair lá na bandeirinha de escanteio, no rádio passa raspando a trave. Qualquer jogo é um jogaço!

Em decisões, os hospitais, repartições públicas, cinemas, cemitérios e até igrejas deveriam, por força de lei, exibir os jogos na televisão. Não dá pra ficar imaginando! Só os olhos tem o poder de desviar bolas para o fundo das redes, não os ouvidos.

E Petkovic ajeita a bola, ao passo que, segundo relatos posteriores, uma dezena de médicos e enfermeiros tentavam reanimar meu avô, que estava com o fígado entalado na garganta, sem poder respirar.

Ele corre, bate, ela viaja e entra! Gol do Flamengo! Neste exato momento, me recordo que estou dentro de um hospital. Aquelas fotografias ameaçadoras de moças com dedos em riste, colocados na frente da boca, exigindo silêncio com aquele "por favor" aviltante.



Convenhamos, se existe espaço para fumante em qualquer recinto fechado, porque não um lugar destinado, em hospitais, somente para gritar?

Pode ser uma salinha, com isolamento acústico, que sirva pra gente entrar, fechar a porta e gritar "GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOLLLL". Depois a gente sai, fecha a porta, e volta a ficar em silêncio.

Pois é, na ausência desta, tive que ficar andando de um lado para o outro do corredor, como se a caminhada fosse meu grito. Um punho cerrado, a outra mão na boca (precaução é tudo) e meu avô sendo encaminhado para o centro cirúrgico, a fim de retirar o intestino delgado que o enforcava.

Voltei ao quarto, colei o rádio novamente no ouvido, e agora torcia para o juiz da final carioca encerrar logo aquele jogo.

Foram cerca de cinco minutos até o final do jogo. Os cinco minutos mais longos da história, desde a criação do relógio!

Acabou! Ainda não podia gritar, mas de qualquer forma, eu era tricampeão carioca!

A esta altura, enquanto eu comemorava - contidamente - o título, meu avô retornava do centro cirúrgico e dormia no quarto.

Quando desliguei o rádio, parecia que nada havia acontecido com meu avô. Ele estava igualzinho à última vez que o havia visto!

Mas, naquele momento, nascia um novo ídolo para mim!

Ídolo que retornou ao Flamengo para, aos 37 anos, comandar o time rumo ao sexto título brasileiro. Tal como o último, em 1992, um vovô-garoto nos levava ao caneco!

Petkovic se tornava ali, para toda a nação rubronegra, inesquecível!

E hoje foi o último capítulo desta história de amor.

Se não teve gol de Pet, o time foi melhor com ele.

Se não ganhamos o jogo, o gringo se tornou eterno!


Saindo dos campos para entrar na história!


Por isso, eternamente obrigado, Sr. Dejan Petkovic!


Valeu,

Bruno Porpetta


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Bruno Porpetta