domingo, 17 de junho de 2012

A tarde do "sai, uruca"!

Desde a minha chegada ao Rio, fui recebido por excelentes amigos.

Vim para cá sem lenço e sem documento, com algumas malas, uma disposição enorme em fazer a vida por aqui e sem uma casa que eu pudesse chamar de minha.

Nessas horas, os amigos são fundamentais, e alguns deles são isso ao quadrado.



Devo destacar três.

O historiador Luiz Felipe Thomaz, o primeiro a me ceder um teto quando por aqui desembarquei. Foram dois meses morando no Méier, mais precisamente em Todos os Santos, próximo ao Engenhão e acordando diariamente ao som da Rádio Tupi, de um conservadorismo divertido, com apelo bastante popular. Como era longe do trabalho, tinha que acordar bem cedo para ir trabalhar. Nem sempre isso foi possível.

Posteriormente, me mudei para a Tijuca, próximo à Praça Saens Peña, passar três meses na "famosa" Hilda,  um apartamento muito simpático na Praça Hilda. Fui convidado por João Domingues, um sujeito raro, tijucano boa praça, para me abrigar por lá e após conversas com seus companheiros de apartamento, meu nome foi "aprovado" e passei a integrar aquela família. Ali entendi o que o Kiss queria dizer com "Rock'n roll all nite, and party every day". Foram três meses muito divertidos, tanto quanto embriagados.

Por último, o cineasta baiano Luis Carlos de Alencar, o ex-Explicadinho. À época, habitante da Gloriosa. Como ficava na Glória, foram 10 dias de acesso fácil ao trabalho, além da Lapa, o que poderia ser perigoso (não pela violência, sim pela abundância das madrugadas).

O que há em comum entre os três?

Todos torcedores do Flamengo, como eu.

Com Luiz Felipe e Luis Carlos, mesmo antes da minha mudança para o Rio, já tínhamos um histórico acumulado de jogos do Flamengo. Com o primeiro, fui campeão da Copa do Brasil em 2006. Com o segundo, campeão brasileiro em 2009.

Ou seja, já estávamos experimentados e cientes que, em caso de derrota do Flamengo, esta não seria culpa nossa.

Pois sempre há aquele amigo, onde parece que assistir aos jogos juntos coloca sobre o time um elemento que extrapola à atuação em campo. Isto que por aí costumam chamar de azar, ou zica, uruca, dentre outros vários nomes possíveis para definir uma nhaca que não tem jeito de sair. Azar do destino, quis que este fosse o mais fanático de todos eles. O João!

No dia do hexacampeonato, em 2009, estávamos no mesmo estádio, mas ainda não nos conhecíamos. A partir do momento que nos tornamos amigos, bastava sentarmos juntos para ver o jogo para o Flamengo não vencer.

Não vimos juntos nenhum dos melhores jogos do Flamengo nos últimos dois anos e pouco, só os piores. Esta uruca nossa pesava sobre o time, e este não conseguia o resultado.

Digamos que esta situação é um tanto incômoda, a privação que a vida impõe a dois grandes amigos assistirem ao clube que amam juntos é muito chata. Restava a nós, comentar os jogos posteriormente um com o outro.

Certa vez, em um jogo contra o São Paulo, nos encontramos na porta do estádio. De pronto, definimos que cada um iria para um lado da arquibancada, para não correr o risco. Deu certo, e o Flamengo venceu por 1 a 0.

Em outra oportunidade, fui visitar João em sua casa e, coincidentemente, tinha jogo do Flamengo. Como não tínhamos dinheiro para ir ao estádio, assistimos por lá mesmo, sob a tensão constante de nossa uruca atrapalhar o time.

O Flamengo enfrentava o Cruzeiro, um adversário perigoso, que tornava nossa preocupação ainda maior.

Pra piorar tudo, aquela zaga lunar do Flamengo, deixou mais uma cratera no miolo, e o Cruzeiro abriu o placar.

Ao mesmo tempo, eu pensava em ir embora, e João pensava em me enxotar dali. Elegâncias à parte, seria absolutamente justo. Eu e João tínhamos nossos 30 e poucos anos cada um, o Flamengo completaria 116 anos de idade, o que define bem qual deveria ser a prioridade.

Mesmo assim, resolvemos dar uma chance pra ambos, que tendia àquele momento a uma chance ao azar, inicialmente sepultado pelo gol de empate, ainda no primeiro tempo, e mais quatro gols na segunda etapa. Uma goleada para lavar a alma, principalmente a nossa.

Ainda não era o suficiente. Pela TV é mole, queríamos ver como seria dentro do estádio.

O dia 17 de junho de 2012, no ano do suposto fim do mundo, foi a prova dos nove para nós.

Decidi, meio que de última hora, ir ao jogo contra os reservas do Santos, envolvido com a disputa da Libertadores.

Não tive dúvidas, o primeiro a saber foi João. Ele recebeu a seguinte mensagem pelo celular: "Jão, me deu a louca e tô indo pro jogo... deseje-me boa sorte! Abraços".

Qual foi minha surpresa que, depois de muito tempo sem ir ao estádio, recebo de João, também após um período grande de afastamento, a seguinte resposta: "Porra... tô aqui".

E o frio na barriga? E o medo de perder para os reservas do Santos só por causa de uma uruca deveras desagradável? Imagino que, ao receber minha mensagem, João deva ter pensado igualmente no pior.

Nos encontramos na porta, e após botar o papo em dia, olhamos um para o outro e dissemos: "É hoje!".

Ou aquela uruca caía, ou provavelmente decidiríamos nunca mais ver jogos juntos. Doeria tanto em mim, quanto nele.

Talvez nem valha falar do jogo em si, um excelente remédio para insônia. O Flamengo e seus 136 volantes, onde os que sabem razoavelmente tocar a bola com correção para o lado são alçados à condição de meia, e um Santos quase juvenil, fizeram um joguinho tão arrastado que, por um momento, pensei que o tempo havia parado e seríamos condenados a passar meses dentro do Engenhão assistindo àquilo.

Há de ressaltar que a elitização do futebol, além de excludente, é um convite à ignorância. Um monte de gente criada a "leite com pera", que sabe tanto de futebol quanto de astronaves. Um banho de povo nos estádios retomará o amor ao clube, maior do que às suas próprias convicções. E é cada convicção absurda que a branquelada tem, que chega a dar vontade de oferecer capim aos ditos cujos.

Primeiro, perseguição individual a um jogador não se justifica, afinal de contas, ele não se escala.

Segundo, a vaia é um instrumento de demonstração de sentimento de rejeição a algo, como uma derrota, que só acontece após os 90 minutos.

Terceiro, vaiar um jogador que vai bater um pênalti para o seu próprio time só pode ser demonstração de desamor por aquilo que se diz amar. E possivelmente contraproducente.

Ainda bem que, apesar da branquelada das caras arquibancadas do Engenhão, não influenciou no resultado. Gol do Flamengo, de Bottinelli, de pênalti, de qualquer jeito!

Parecia o fim do longo calvário meu e de João, e após alguns sustos, mas nenhuma infelicidade, o jogo acabou. Finalmente, vencemos juntos nas arquibancadas.

Daqui pra frente, é só com o time mesmo. Nós não temos mais nada a ver com os infortúnios.

Foi um enorme peso tirado de nossas costas, expresso em um abraço aliviado.


Valeu,

Bruno Porpetta


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Bruno Porpetta