sábado, 14 de abril de 2012

O menino de 100 anos

Como nasci na antiga Cidade Vermelha, a Santos de Plínio Marcos, de Pagu e, fundamentalmente, a terra onde Pelé jogou, meu primeiro contato com as arquibancadas na vida foi na Vila Belmiro.

Era princípio de 1988, eu tinha oito anos de idade, e depois de muito insistirmos, conseguimos fazer meu pai nos levar - eu e meu irmão mais novo, torcedor do Santos - ao estádio. Iríamos conhecer a Vila, num jogo de Brasileiro, contra o Botafogo.



Eu, já torcedor do Flamengo, me senti à vontade para ficar no meio da torcida do Santos.

Observava o campo, os jogadores e, atentamente, a temida Sangue Santista, que desde cedo nos era apresentada como o grande perigo, devido ao comportamento violento de alguns de seus membros. Não dá pra negar que sempre dá um frio na barriga saber, com aquela idade, que tem gente que briga com torcedores de outros times. E eu torcia por outro time!

Lembro-me que não foi um grande jogo, acabou em 0 a 0. Grande mesmo foi a contagem dos pênaltis. Terminou 10 a 9 para o Botafogo. Acho que dei azar.

No campeonato seguinte, fomos eu, meu pai, meu irmão e meu avô - três gerações de santistas - a um jogo contra o Vasco, igualmente tranquilo para mim. Afinal de contas, além de ser o Vasco, eu iria ver Bebeto, recém-saído do Flamengo de forma conturbada. Perdi novamente, 2 a 1 para o clube de São Januário, com gol de Bebeto.

Depois disso, resolvi dar um tempo. Até para poupar minha família de algum possível escárnio.

Mesmo assim, se eu não ia até o Santos, ele vinha até mim. No meu prédio morava o, à época, ponta-direita do Santos, e ídolo em tempos de vacas magras, Almir.



Uma gentileza de pessoa, que convidou a toda criançada para a festa de aniversário de seu filho. Óbvio que a molecada toda foi, inclusive eu.



Lá, conversamos com praticamente todo o time. Destaco o lateral-direito Índio, que foi quem mais nos deu atenção e papo. Para uma criança que gostava de futebol, era a glória.

Além disto, conforme o tempo passava, fui desenvolvendo uma paixão maior pelo meu clube de coração, o que necessariamente me afastou da Vila. Pelo menos, na condição de "torcedor" da casa.

A chegada da adolescência me trouxe foi um ódio danado do Santos. As sacanagens coletivas cotidianas contra mim foram terríveis. Não que o Santos ganhasse tudo, muito pelo contrário. Mas, na Vila Belmiro, não perdia para o Flamengo. Tal escrita só foi quebrada, em jogos oficiais, no ano do hexacampeonato brasileiro rubro-negro, em 2009.

Em 1992, num trabalho de colégio para a Feira de Ciências (minha "ciência" era a Educação Física), sobre o Santos, voltei à Vila. Desta vez, pela porta da frente!

Conheci os jogadores, em especial o centroavante Guga, que adorava marcar gols no Corinthians e era adorado pela torcida. Frequentei os vestiários, sentei no banco de reservas, - rodeado de lama, diga-se de passagem - e entrei em campo.



O gramado era horrível, um verdadeiro pasto, e provavelmente o mesmo que foi incansavelmente pisado por Pelé e os Globetrotters do futebol. Mas como não pude jogar, as irregularidades do campo não foram problema. Bastou olhar para as arquibancadas dali, de dentro do campo, para sentir o que poderia ser aquilo cheio de gente.

É bom ressaltar, a imaginação pendia para os dois lados. Imaginava-me com a camisa do Santos, tendo meu nome gritado ao anúncio do locutor do estádio, mas também me via com a do Flamengo, sendo vaiado intensamente.



Jogar na Vila, como visitante, é das paradas mais indigestas que existem. Não existiam muros de acrílico, era só uma grade. Não tinham cadeiras, ficavam todos em pé, encostados na grade e cuspindo, xingando, atirando coisas nos adversários. Cobrar um escanteio, ou arremesso lateral, era um martírio.

A Vila sempre foi um estádio que conseguiu traduzir em si a força do Santos.

O que mais me incomodou, na verdade, foi a sala de troféus. Não pelos troféus, que eram lindos e imponentes, mas por um quadro enorme que ilustrava a sala.

Era um retrato de Pelé, vestido com o manto branco, o número 10 às costas e, ao fundo, o Maracanã. Repleto de torcedores em vermelho e preto, o placar abaixo destes marcava 7 a 1 para o Santos.

Os caras ficam 11 anos sem perder para o Corinthians, o maior rival, e colocam um quadro com uma goleada histórica contra o Flamengo?

Na hora, fiquei muito ofendido. Anos depois, reconheci que levamos sete de uma máquina de fazer gols, placar que deve ter se repetido contra vários outros clubes, mas só o Flamengo adentrou à sala de troféus do Santos. O artista reconhece que aquele placar não era contra qualquer um.

Nos anos de vacas magras, os tais 18 sem títulos, a torcida do Santos vivia uma depressão que parecia não ter fim. A inversão das faixas, pelas torcidas organizadas, representava o saco cheio com aquela situação. Colocá-las de volta para cima era uma tarefa que o time tinha que cumprir.



Em 1995, mais uma vez estava eu, agora diante da TV, torcendo pelo Santos com a minha família. Primeiro contra o Fluminense, na semifinal do Brasileiro, em jogo épico que deu origem às Testemunhas de Giovanni, depois, na grande final, contra o Botafogo. Não era desta vez que eu daria sorte ao Santos, e assim se prolongou o calvário.

Cabe discutir seriamente uma teoria, desenvolvida por meu amigo Matheus, professor de história e conterrâneo de Wisnik, da Ilha de São Vicente.

O Santos, segundo ele, é o "Sebastianismo realizado".



Desde a morte de Dom Sebastião, o rei de Portugal que, empenhando-se numa tarefa absolutamente estúpida, foi morrer na Batalha de Alcácer-Quibir, no Marrocos, o povo português, com respingos no Brasil, esperava pelo seu retorno. A retomada da pujança portuguesa no mundo estava condicionada à ressurreição do rei Tião.

É perceptível que isto nunca aconteceu, e assim será para sempre.

Para Portugal, o Sebastianismo é irrealizado, e durante muito tempo, acreditou-se que o destino do Santos seria o mesmo.

Somente o renascimento de um Pelé para devolver a grandeza ao Santos. Parecia impossível.



Porém, o Sebastião santista não precisava ser extraterrestre como Pelé. Precisava simplesmente ser um moleque negro, aparentemente franzino, e genial.

Assim surgiram, pós-Pelé, os novos Sebastiões: Robinho e Neymar.

O rei das pedaladas devolveu ao Santos os títulos, e junto com eles, a altivez para continuar conquistando-os. Robinho deu a tranquilidade necessária ao Santos para descobrir seu novo Sebastião, o genial Neymar.



Diante desta teoria, cabe aos santistas, além de amantes do bom futebol, degustar este momento com carinho. Não se sabe quando surgirão outros Sebastiões.

Mesmo assim, de forma esporádica, o Sebastianismo santista encanta. A tradição do Santos em produzir arte em forma de bola é de emocionar a quem gosta de futebol.



Um futebol de menino. Tão menino quanto eu, ao conhecer a Vila, ao jogar bola nas praias de Santos. Tão menino quanto Pelé, quanto Robinho, quanto Neymar, entre tantos outros meninos que por lá surgiram. A lenda que atravessa gerações, os meninos da Vila.

Quando me perguntam se sou santista, me apresso em dizer que sou "de nascimento". Porque ser santista é quase um sinônimo de torcedor do Santos, e este não é o meu caso.

De qualquer forma, devo parte da minha devoção pelo futebol ao Santos, além da certeza de que minha terra natal não é somente um ponto no mapa.



Sou de Santos, a Cidade Vermelha! Do maior porto da América Latina e suas greves que afrontavam à ditadura militar. Das experiências revolucionárias em saúde pública, com David Capistrano. Do meu querido bairro do Boqueirão, de tantas histórias.

Mas não posso negar, sou também de Santos, a cidade alvinegra onde Pelé jogou.

Para não ser injusto, a cidade onde Rodolfo Rodríguez fez cinco defesas em sequência, protagonizando um dos maiores milagres da história do futebol brasileiro.







O Santos chega ao seu centenário, ainda com jeitão de menino.


Valeu,

Bruno Porpetta

4 comentários:

  1. Porpetta, quais caminhos tortuosos da vida te levaram a, nascido em Santos, torcer para o Flamengo?

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    1. Um tio, uma camisa, uma torcida... Foi mais ou menos por isso! rs

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  2. É, tenho que corroborar as palavras de meu filho mais novo, brilhante a escrita desse meu querido e amado filho mais velho, Porpetta. Beijos, de seu paí que a propósito, também o levou ao Estádio da Portuguesa (SP), para que visse, pela primeira vez e mesmo não sendo o time titular de seu coração, um jogo entre o seu Flamengo e um outro, que não me lembro, pelo campeonato juvenil....lembra!!!!! Beijão do Pai.

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  3. Claro que lembro! Flamengo 1 x 0 Guarani, pela Supercopa São Paulo de Juniores, gol de Juan (aquele mesmo da seleção, parceiro do Lucio na zaga), de cabeça. Saímos sob escolta policial, como poderia esquecer?

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Valeu,

Bruno Porpetta