sexta-feira, 11 de maio de 2012

A ponta do iceberg

Podemos citar dois casos recentes, envolvendo jogadores conhecidos, de como tratam-se questões de ordem psicológica de formas diferentes, mas ao mesmo tempo pouco debatidas.

Os atletas em questão são Jóbson e Adriano.

O sonho de muitos, realizado por poucos, cuidado por ninguém


Sem dúvida alguma, são dois excelentes jogadores. O primeiro, mais jovem, não teve oportunidade na seleção. O segundo, já disputou uma Copa do Mundo, em 2006.

Jóbson, nascido no interior do Pará, foi revelado pelo Brasiliense, o time de Luis Estevão. Desde o início de sua carreira, está ligado a casos de indisciplina. Mas foi pelo Botafogo que chegou ao céu e ao inferno, e ao mesmo tempo.

Em duas grandes partidas pelo Botafogo, no Campeonato Brasileiro de 2009, o atacante foi pego no exame anti-doping, onde foi detectada a presença de cocaína em sua urina. Logo após, o jogador confessou ter consumido crack. Após idas e vindas, passando pelo Atlético-MG e Bahia - dispensado de ambas por indisciplina - e o cumprimento de punição determinada pela Agência Mundial Anti-Doping. Inicialmente, eram dois anos, que passaram a ser seis meses.

Adriano, revelado pelo Flamengo, começou a carreira hostilizado pela torcida (embora tivesse marcado em sua estreia no time profissional) e acabou negociado, quase de graça, com a Inter de Milão, de onde foi logo emprestado ao Parma. Foi na Europa que Adriano passou a se chamar Imperador, já de volta à Inter de Milão. Com um futebol exuberante, chegou à seleção, onde teve papel destacado no título da Copa América de 2005.

Em 2006, ano do falecimento de seu pai e da eliminação precoce na Copa, começou o declínio de sua carreira. Culminado com o abandono da mesma, em 2009, acabou retornando ao Flamengo, onde conquistou o Brasileirão, sendo também o artilheiro da competição, com 19 gols. No ano seguinte, a presença constante em páginas policiais, somada ao fraco desempenho dentro de campo, acabou determinando sua saída do rubro-negro.

De sua saída do Flamengo até os dias de hoje, entrou, para boa parte da imprensa esportiva, na categoria de "ex-jogador em atividade".

Os dois jogadores são excepcionais. Juntos, inclusive, formariam uma dupla de ataque mortal. Mas seus comportamentos suscitam debates, e estes, em geral, são feitos de forma absolutamente enviesada.

Diante de cada caso, estão envolvidos Botafogo e Flamengo.

O time alvinegro estabeleceu contrato com Jóbson, oferecendo assistência psicológica e médica ao atacante, além de convidar o ídolo do clube, Paulo César Caju, para acompanhá-lo. Caju possui larga experiência em questões disciplinares, tendo sua carreira marcada por essa questão. Não existe melhor conselheiro possível.

O Flamengo tem a mesma oportunidade agora com Adriano. Porém, no caso do rubro-negro, esta é um dever!

Diante da polêmica sobre a possibilidade do retorno do Imperador ao Fla, é necessária uma reflexão.

Os dois exemplos citados são famosos, recebem salários na casa das centenas de milhares de reais e estão em evidência na mídia constantemente. Poderiam, entretanto, não ter absolutamente nada disso em suas vidas, como tantos milhares de jovens que tentam, sem sucesso, uma carreira promissora no futebol.

A possibilidade de viver daquilo que mais se gosta de fazer, somada à doce promessa de ascensão social por meio do futebol, são atrativos que empurram os jovens aos clubes, sem que estes tenham que demandar grandes esforços.

Os clubes recebem garotos, na casa dos seis, sete ou dez anos de idade, para participar das escolinhas de futebol. Alguns deles são encaminhados para as chamadas "peneiras", junto aos que são trazidos pelos olheiros. Daí por diante, os aprovados iniciam uma trajetória de dedicação quase exclusiva aos clubes.

Sob a perspectiva de tornarem-se jogadores profissionais de futebol, os garotos deixam para trás fases importantes da vida, como a infância e a adolescência. Estudam, em geral, de forma protocolar. Isso quando estudam. Dificilmente concluem os mesmos, ou se concluem, acabam não tendo a possibilidade de cursar uma faculdade. Se tornam jogadores de futebol, sem sequer saber fazer outra coisa da vida.

De repente, estão submersos no calendário das categorias de base dos clubes, sobrando pouco tempo para atividades próprias da idade, como sair, se divertir, ou até jogar bola com os amigos, visto que precisam se poupar para os treinamentos.

Seus corpos são transformados. Estão, na aparência, mais velhos do que os demais garotos da sua rua. Às vezes, sob orientação de empresários, ou dos próprios clubes, alteram suas idades até no documento. Quando são pegos, pagam sozinhos pela erro.

Às vezes tem acompanhamento, apoio, incentivo dos pais. Quando não são pilhados pelos mesmos para se tornar arrimo de família.

Em outras ocasiões, não possuem estrutura familiar capaz de orientá-los. Ficam assim, sujeitos aos caprichos do próprio futebol, a única forma possível de convívio em grupo. Do contrário, podem facilmente partir para a criminalidade.

Aos clubes, interessam apenas as máquinas que estes garotos podem se tornar, não importam os humanos por dentro deles.

Diante de tal situação, é de se perguntar: os clubes podem continuar se eximindo de responsabilidade sobre os garotos, que tem sua juventude "roubada" por eles?

A resposta, em tese, é simples. Óbvio que não!

Os clubes devem se responsabilizar não somente por jogadores de futebol formados em suas categorias de base, mas também por homens que ali são forjados. Estes, como em qualquer outro ramo, são suscetíveis a problemas psicológicos, médicos, intelectuais, entre outros, e cabe aos clubes solucionar tais questões.

Porém, a realidade passa distante do ideal. Os clubes subtraem garotos de suas comunidades, geralmente distantes, e a linha entre o profissionalismo e a lata do lixo é muito tênue. Em ambos os casos, tais suscetibilidades deveriam ser cuidadas, mas não são.

Hoje, a imprensa noticia os "problemas" que se tornaram Jóbson e Adriano. Mas eles são apenas a ponta de um iceberg muito profundo, onde os casos semelhantes, ou até muito piores, não emergem.


Valeu,

Bruno Porpetta


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Bruno Porpetta