terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O(A) luto(a) continua





Sócrates era um sonhador.

Sonhava, certo por linhas tortas, com o socialismo. Sonhava ser cubano, dando a um de seus filhos, o nome de Fidel. Sonhava com outro futebol. Não este do porte físico, mas, fundamentalmente, do porte intelectual.

Assim, desenvolveu o calcanhar mais venenoso da história do futebol brasileiro, para compensar a deficiência física com relação a outros jogadores. Era magro, ou simplesmente Magrão, fumante e gostava da mais refinada derivação da cana-de-açúcar, o álcool.



Sócrates era um filósofo.

Tornou a bola seu maior compêndio filosófico. Sua grande contribuição aos acadêmicos do futebol. Sua deferência à beleza, ao que há de mais arraigado em nossa cultura futebolística. Sócrates tratava a bola com inteligência, dando um toque de classe e intelectualidade aos lances.

Sócrates era um revolucionário.

Tal como a Grécia, o Corinthians foi sua grande contribuição à democracia. Dentro ou fora do campo, aquele time do final da década de 70, início de 80 - anos de refluxo do nosso calvário militar - era essencialmente contestador.

Remava contra a maré de chatice que tomou conta do futebol, da onda conservadora que exaltava o comando de treinadores sobre jogadores disciplinados, quase adestrados. Em um mundo onde os operários da bola eram expressamente proibidos de pensar, ousou fazê-lo. E Sócrates foi fundamental em tudo isso.



A democracia corinthiana foi a maior experiência de liberdade e poder compartilhado da história do futebol brasileiro. Não fosse o Livorno, da Itália, seria a maior do mundo. Falava em democracia em pleno regime militar. Envolveu-se ativamente na campanha pelas eleições diretas. Sócrates partiu para a Fiorentina, indignado com a rejeição da emenda Dante de Oliveira. Não importava a vitória ou derrota, desde que com democracia.

Sócrates era um ídolo.

Um dos grandes ídolos da história do Corinthians. Um dos grandes ídolos de uma grande nação.

Aquele que, em sua apresentação ao clube, confessou-se torcedor do Santos, aprendeu a ser corinthiano. Após um início difícil, onde a ideia de sair lhe ocorreu algumas vezes, Sócrates se tornou parte daquela nação, traçando uma mediatriz entre sua classe com a bola nos pés e a garra exigida pela torcida.

Se antes não se entusiasmava com seus próprios gols, depois passou a vibrar muito com eles, como se na arquibancada estivesse.

A mistura entre Sócrates e Corinthians era perfeita. Ambos vivem em permanente angústia, inquietude, mas fazem delas seu combustível.



Não era um ídolo somente dos corinthianos. Sócrates participou de um dos mais belos times da história das Copas, a seleção brasileira de 82. Ali, o Doutor marcava seu nome entre os maiores do futebol mundial, mesmo não conquistando a taça. Da mesma forma, não importava o resultado, e sim a beleza.

Sócrates era grande.

Da grandeza de todas as torcidas. Da grandeza de todas as Copas. Da grandeza de todos que sonham e lutam por um mundo mais justo. Da grandeza de sua razão, e também de seu coração.

No dia da sua morte, o Corinthians disputaria o título que Sócrates não conquistou. O título brasileiro. Brasileiro como o seu próprio nome.

O Corinthians é campeão! Pela quinta vez, é campeão!



A imagem de quase 40 mil torcedores, além dos 11 jogadores em campo, de punhos cerrados durante o minuto de silêncio dedicado a Sócrates, era sua própria presença. Tal como em sua época, a presença dentro e fora de campo.

Poderia dedicar mais de 6 mil caracteres para tratar do desfecho do Campeonato Brasileiro, do título do Corinthians, mas posso resumí-lo aqui: é o título de Sócrates!

Aos que ficam, cabe prosseguir sua luta.

Por um futebol, e uma sociedade, livre daqueles que tanto acumulam. Livre para pensar. Livre para se divertir. Livre para viver. Nem que seja por pouco tempo, como foi em sua própria vida.

Logo após sua primeira internação, devido à hemorragia digestiva, Sócrates lançar-se-ia a uma segunda campanha pelas Diretas. Desta vez, para a CBF!

Ele se foi, mas o sonho fica.

Sigamos com ele, assim o mantemos vivo. Assim, nos mantemos vivos.

"A Embaixada da República Bolivariana da Venezuela no Brasil une-se à dor do povo brasileiro e oferece suas condolências pela morte de quem foi um dos esportistas mais distintos do Brasil e do nosso continente, Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira.
O Dr. Sócrates, como o povo brasileiro o chama com carinho, honrou o Brasil em todas as oportunidades que vestiu a “canarinha” e que com seu desempenho foi considerado por aficionados e especialistas como um dos melhores jogadores da história.
Lembraremos o Sócrates, mais do que por suas glórias esportivas, pela profunda convicção democrática e pela sua vocação pela unidade da Nossa América. Só horas depois de comemorarmos o nascimento da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC), lembramos seu exemplo de vida porque ele sempre foi esse tipo de cidadãos que cotidianamente manteve vivo o sonho de Bolívar.
Em uma época quando muitas vezes tenta-se transformar o esporte em um espetáculo banal e alienante como ferramenta para o consumo desenfreado, Sócrates utilizou o esporte para conscientizar e promover valores como a solidariedade, e também para assumir uma postura firme em favor da democracia tanto para o país, quanto no âmbito esportivo, onde sempre a evidenciou. Sua pronta partida não permitiu que se concretizasse sua visita à Venezuela, nem sua participação em um programa de formação educativa e esportiva, que já tinha sido colocado.
A Embaixada da República Bolivariana da Venezuela deseja expressar suas máximas condolências ao povo brasileiro, a todas as pessoas que seguiram seu exemplo de luta social e especialmente a seus familiares e amigos. Tornemos o Dr. Sócrates em um exemplo de homem e mulher novo que tanto precisamos na América Latina e o Caribe."


(Nota oficial da Embaixada da República Bolivariana da Venezuela no Brasil, sobre o falecimento de Sócrates)






Valeu,


Bruno Porpetta

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Bruno Porpetta