segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O outro lado da casaca ou sobre como assumi o Bonsuça



Por Alexandre Magno (Xandim Derauê)*


"Para ser grande, sê inteiro: nada
teu exagera ou exclui"
Fernando Pessoa


Desde que me lembro, gosto de vermelho. Mas nunca tive tanta paixão assim pelo futebol. Estádios ultralotados, brigas entre torcidas, mercenários travestidos de desportistas, o "ópio do povo": elencaria quinze razões, se preciso. Mas nasci homem, no Brasil, e isso já foi motivo suficiente para a necessidade de socialização impelir a escolha de um clube, maneira possível de ficar não tão deslocado assim nas conversas com os demais garotos.

Um elemento, porém, determinou a mudança radical desse quadro. E dependeu de uma viagem à Argentina - veja a ironia, a terra do arquiinimigo do escrete canarinho.

No albergue onde me hospedei para o último ano novo, em Buenos Aires, chamou atenção uma pequena bolsa, em azul e amarelo, com uma inscrição no mínimo curiosa: "Velez Juniors". O nome, as cores, as estrelas... Seria a fusão do Velez Sarsfield com o Boca Juniors? Mais atenção ainda chamou a resposta do atendente à minha indagação, num misto de desdém e repreensão: "Es mi equipo de corazón, del barrio. Pués hay que torcerse por el equipo de tu barrio".

Lá, como cá, o futebol é a paixão nacional, e a seleção, a pátria de chuteiras. Aquela advertência, no entanto, me abriu os olhos e o coração para o esporte que, graças à leveza do modo de jogar inaugurado pelos latinos, já há muito deixou de ser bretão. Convicto desde sempre do vermelho, caiu-me, de repente, um ficha que, para combinar, só poderia ser azul. Afinal, desde criancinha, mais precisamente a partir dos cinco anos de idade - quando para lá me mudei - e, portanto, antes de qualquer coisa, eu era Bonsucesso.

Determinado, era preciso estar seguro de meus argumentos para enfrentar, com ousadia, as repreensões daqueles que, dedo em riste, gritariam: "- Virou a casaca!". Ora, mais preciso seria, talvez, dizer que eu havia era me libertado daquela indumentária associada aos nobres europeus, que nunca muito bem me coube, para assumir a minha origem leopoldinense e proletária.

O jogo do último dia 23/7, contra o Estácio de Sá, o primeiro que assisti no histórico Estádio Leônidas da Silva, foi uma prova de fogo à minha decisão de deixar a quase "obrigação" de torcer pelo time supostamente mais querido do Brasil - epíteto ganho em 1927 numa eleição até hoje impugnada pelo (desde) então vice-campeão Vasco da Gama. Se o Bonsuça perdesse, a pecha de pé-frio para sempre estaria lançada. Não quis saber: deixei a meia em casa e fui, calçando havaianas, só para contrariar.

No campo, em jogo não estavam apenas três pontos a favor do Leão da Leopoldina, mas o retorno ao primeiro pelotão do futebol fluminense. E isso depois de dezessete anos, numa longa noite que chegou ao fundo do poço na terceirona em 2003. A partir do pontapé inicial, o significado do "ser Rubro-Anil" chegou na pele: logo no primeiro minuto de jogo, a arquibancada - eu incluído - ficou azul graças a um gol no mínimo estranho do Estácio. Olhei os céus, depois minhas sandálias e, por fim, o relógio: era apenas o começo da tortura.

No intervalo do primeiro tempo, entretanto, já se podia perceber as veias saltadas nos pescoços dos gritalhões torcedores que carregavam de rubro as nossas faces e embalavam o time. Por sorte, estrela ou perspicácia - não importa -, duas bolas na área e duas empurradas para a rede transformaram o desespero em regozijo e glória. Se uns são penta e outros, hexa, o Bonsucesso é o maior campeão, o único hepta - da série B do Rio de Janeiro.

A explosão da torcida em júbilo com o apito final e a invasão do campo - digo, ocupação democrática - pelos torcedores, o "cheiro de luva" na mão após os sinceros cumprimentos ao goleiro (quem ocupa a posição sabe do que falo) e as lágrimas quase infantis daqueles senhores de cabelos brancos e camisas rubro-anil compuseram finalmente a foto, da qual eu, até então, tinha apenas a legenda - a advertência daquele honrado argentino. E a escolha, até então de consciência, fincou os pés naquele gramado, apesar de irregular, e alcançou o coração.

Futebol é uma questão de gosto, simplesmente. Porque é um espetáculo como poucos, como nenhum outro talvez. Porque não adianta querer escolher o melhor. Porque é um esporte em que, às vezes - aliás, com alguma freqũencia - não é necessariamente o melhor aquele que vence.

Ou, se tomarmos uma perspectiva mais, digamos, subjetiva, teremos ao fim que o melhor, sempre, é o seu time. Bom, isto para quem se admira ao ver o esforço humano, ainda que alheio, para levar sem as mãos aquela esfera quase perfeita a passar entre os três paus da meta alheia, fazendo vibrar as cores que ornamentam a bandeira viva composta pelos célebres anônimos que lotam (ou não) as arquibancadas. Parafraseando Chico Buarque, pintei de azul o preto, acompanhando o vermelho de uma cor do Brasil; virei o listrado do peito e nasceu, desse jeito, mais um rubro-anil.

PS: Tulio Maravilha, nós gostamos de você. Copa Rio, 2011, tamo aê!



*Comunista, goleiro, morador orgulhoso de Bonsucesso e convertido em rubro-anil. Sofredor? Que nada, ele adora!


Valeu,

Bruno Porpetta

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Bruno Porpetta